sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Palavras Desmaiadas

Isto não é uma carta de amor,
Não te iludas meu querido amigo.
Se bem vês,
As palavras estão desmaiadas.
E nesta folha de fraca tez,
O que, nas breves linhas, partilho contigo,
É, das horas bem passadas,
O calor e o remorso da ilusão,
Que, neste jeito imprudente, te fiz viver.
Oh céus, uma insensatez!
Porém, com muito carinho,
E sem te ofender,
Digo-te que não é amor,
Mas amizade poderá ser!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Insistentemente

O carteiro tocou insistentemente à campainha até que fosse à porta.
Depois de meses em que também eu, insistentemente, esperei que ele passasse na rua para lhe perguntar:
- E hoje, não tem nada para mim?
Todos os dias, todos os malditos dias…
Pensou que, finalmente, me trazia o que tanto esperava, o que desesperadamente procurava na caixa por entre as contas para pagar e os folhetos publicitários do supermercado.
E nem reparou que há muitos dias que deixei de lho perguntar, que nunca mais esperei que ele passasse. E que cheguei mesmo a evitar que ele me visse, para que não me lançasse aquele encolher de ombros ou pregasse os olhos no chão para que não tivesse que me dizer que não trazia nada.
Rasgou um sorriso e disse:
- Menina, trago-lhe uma carta registada. Correio internacional. Demorou mas cá chegou, está a ver! O que tem que vir, sempre vem algum dia!
Vi-me encostada à porta com aquele envelope na mão. Aquela letra que conhecia tão bem a espelhar o teu nome no envelope que de tão imaculado, ninguém diria ter vindo do outro lado do mundo. A cada segundo, sentia o coração bater como se fosse explodir.
Todos os dias, todos os malditos dias…
Esperei anos, caramba, anos!
Mas agora que me habituei ao silêncio da tua ausência. Agora que a cama já não me sabe a vazio. Agora não me apetece ler-te.
O que virias dizer, que te lembraste de mim?
Quando bateste a porta o que te pedi não foi que te lembrasses de mim um dia, pedi-te que não me esquecesses em nenhum!
 Rasguei aquela carta com a mesma fúria com que sempre te amei.
E desde esse dia, todos os dias, todos os malditos dias…
O carteiro toca, insistentemente, para me entregar um daqueles envelopes imaculados, bem escritos, um daqueles com o teu nome, um daqueles que junto aos folhetos publicitários do supermercado e deito no lixo.
Todos os dias, todos os malditos dias…

Insistentemente.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Imperturbável

Havia uma rapariga a quem chamava de "imperturbável". Não porque realmente o fosse, apenas por  ter sido essa a primeira palavra que me ocorreu, quando ouvi o seu nome. Simples, calma, entusiasmada ao falar, nervosa ao amar, poderiam melhor defini-la do que "imperturbável".

Talvez, no entanto, o fosse quando conduzia. Aí sim, entrava num mundo distante atrás do volante, uma paz de fazer inveja a um monge budista. Nada a irritava. As aselhices alheias, o desespero do volante alheio, apenas dela mereciam um leve suspiro, um desabafo quase inaudível nas buzinas urbanas.

Tinha no olhar um brilho de ansiedade  contida, um definido estigma com que cunhava cada conversa. Nunca podia ter sido a " imperturbável", apesar de a continuar a chamar assim.

Recordo aquela vez, em que perdeu as estribeiras por ser acusada de algo que não fez. Julgo que até nem era nada de mal, mas não gostava de tomar crédito pelo que não fazia. Passar impoluta das acções de terceiros, convicção que reforçava de forma convicta. Talvez apenas tentasse manter-se verdadeira.

Imperturbável? Não, não o podia ter sido.

Por força da minha verdade, não posso negar, apesar de não me parecer adequado, como é imperturbável na sua maneira própria de não o ser.

Correr

Sempre que corro lembro-me de outros corredores. Corredores como o Mamede que falhavam quando a glória estava pronta para colher. Corredores como Fidípides que correu até ao limite da sua vida para dar a boa nova. Corredores como o Forrest Gump que nunca sabiam quando parar de correr, runnin' against the wind.

Mas também me lembro de corredores por atravessar, corredores cheios de portas onde não convém espreitar. Lembro-me de corredores onde o sol conseguia chegar com a sala lá atrás e a cozinha ao fundo, corredores como aquele onde joguei as melhores partidas da minha vida ou corredores em que uma vassoura servia de Bucéfalo e uma colher de pau virava a Excalibur. Corredores que à noite eram escuros e escondiam fantasmas. Corredores de mármore em museus por descobrir. Corredores de bus para fugir ao trânsito, corredores humanos para salvar os perseguidos. Corredores... Corridas, correrias, corridinhas...

A idade tira-nos a velocidade, mas nunca paramos de correr. Há quem diga que a vida é uma corrida do primeiro ao último minuto. Eu disso não sei... Nem sei se tudo vai correr bem, mas para já vou correndo. Correndo como a Alice atrás do coelho.





Now, here you see, it takes all the running you can do, to keep in the same place. If you want to get somewhere else, you must run at least twice as fast as that!

Lewis Carroll, Through the Looking-Glass

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Ausência

Desatei a correr.
No princípio pensei que fosse para fugir da chuva que caía grave e pesada.
Mas, rapidamente, percebi que fugia não da chuva, fugia do mundo, fugia de ti.
A saudade é impiedosa e o tempo, ah… o tempo não é generoso.
Subi a escada com a mesma pressa exagerada com que costumava correr para te abraçar depois do trabalho.
Naquela altura não havia cansaço, era toda uma sede de beijos e abraços.
Hoje, entrei de rastros como se as pernas fossem dois pêndulos mortos e gastos.
E quando a porta bateu atrás de mim, um silêncio ensurdecedor ecoou por toda a casa.
E agora este sabor a vazio putrefacto que se instalou em todas as partes de mim.
Hoje, quando a porta bateu e a chave caiu no chão,
Sim,
Quando a porta bateu, o que bateu realmente foi esta solidão.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Estou ansioso, vou ligar para as informações do aeroporto. Estás a demorar demasiado. Deixo a louça suja na banca, não a vou lavar agora. Sou desarrumado, e apesar do mundo ser dos organizados mantenho-me assim, desajeitado e desarrumado. Não quero o mundo para nada.

"De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas a que chamamos vida?" diz o poeta e com razão. Não quero nada do qual não faças parte.
Havia tanto para te dizer quando partiste, mas calei-me.
Vou vestindo o casaco na pressa de chegar mais perto de ti, mas do outro lado da linha continuo à espera.

"A sua chamada é muito importante para nós..." e depois a porra do Vivaldi outra vez!

O teu vôo está atrasado e já duvido que regresses. Foram 8 anos. Partir a merda dum espelho dava menos azar...
No principio era o verbo...