quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fão

- Vês aquela luz ali ao fundo?

Já tinha saudade destas tardes de Verão em Fão. Acho que a ultima vez que cá estive, ainda nem sequer estávamos no novo milénio. O Y2K ainda era levado a sério e os sonhos pareciam reais.
Na altura de câmara em riste, fantasiava ser artista, um fotografo de renome, armado com rolos kodak, e por vezes fuji quando o dinheiro não chegava. A preto e branco, a disparar a tudo que não se mexia. Sempre encontrei mais conforto e interesse no que não é humano.

Hoje, depois das incontáveis sms com pedidos pelas míticas clarinhas de fão da confeitaria de beira de estrada, aquela mesmo antes da ponte, sinto que parte de mim ficou aqui, capturada num negativo de outrora, num negativo de agora, em que me revelo.

- Vês agora? Ali, estás a ver?

- Sim...



sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Acerca-se a hora da imunação, que estas palavras vão para cadáveres...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Saio fechando a porta atrás de mim

Saio fechando a porta atrás de mim. Chamo o elevador, o único acesso à garagem. Um mal necessário. Na pressa reparo que me esqueci do amuleto. Não é nenhuma pata de coelho, apenas um gasto berlinde sem brilho, dos tempos de criança. Talvez tenha sido melhor não o ter trazido, pensando bem, nunca me deu assim tanta sorte.

Saio do elevador para uma sombria garagem, devem todos ter saído, apenas vejo o carro do vizinho do ultimo andar e o meu. Tenho o mesmo carro desde que comecei a conduzir. Não está tão velho quanto isso, tirei a carta de condução mais tarde que o normal, e além disso conservo-o muito bem. Para o emprego vou de metro, por isso só o uso ao fim-de-semana.

Sento-me atrás do volante, rodo as chaves e tenho que esperar. O motor tem de aquecer e eu ainda à espera...

Disseram-me ao telefone que chegava dentro de uma hora um avião de Paris. Será que vens nele? Será que virás ao menos hoje?

Tiro do bolso da camisa, a impressão do teu email:

"Assunto: Olá!
Data: 2015-02-06
Remetente: serendipity@yourmail.com

Chego dia 10! :)

Podes-me ir buscar ao aeroporto?

Era bom ver-te de novo.

Jokinhas!"

Tiro um cigarro do maço, carrego no botão do isqueiro do carro e continuo a aguardar que tudo aqueça...





sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

#Desejo

Por seres um incógnito cativo na tua viagem,
não te apercebes que o captor és tu.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Inspiração

Nas noites em que a espero e me sento,
De copo na mão, serena e calma.
Nessas noites, não há nada,
Ela nunca chega.
E com a folha já amarrotada,
Sem nenhum alento,
Embebedo o corpo e a alma.
Porque ela é assim, uma vontade indomada.
Que sem convite, sem ser esperada,
Vem gritar-me ao ouvido ainda com mais gana.
Nas noites em que quero dormir e esquecer,
Não me larga, não me dá descanso.
E pela madrugada, o cansaço é já tanto,
Que a deixo livre nas mãos,
Fecho os olhos descansada,
Para o que ela quiser escrever.

#Amor

Há quem faça do amor um objecto, um lugar.
Uma espécie de vale tudo,
Onde vale, de facto, tudo excepto amar!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Poema de toalha de papel



Hesitante
foste ao teu bolso da frente.
Lado esquerdo.
Retiraste uma nota, na indecisão do preço.
Afinal foram apenas trocos
e recuaste na tua intenção.
Trocas de mão e de bolso,
na viagem dos dedos pelo cabelo.
Olhaste para trás,
e curiosa franziste as sobrancelhas.
Ripostei o olhar
e apercebeste-te que há conhecimento difícil de adquirir.

Uma nota autobiográfica

Nasci em 1976, comecei a aprender a escrever em 1982, entrei na faculdade em 1994.
Cresci em Lisboa perto de uma amoreira que dava - a mim e a quem mais quisesse - amoras que recordo agora como demasiado doces.

Lembro-me de encher os bolsos com essas amoras peganhentas, da mesma forma que me lembro de entrar em casa de um vizinho que tinha uma foto de Marx alinhada com o crucifixo na parede ao fundo da sala.

Mudei-me para o Porto meses depois de Deus marcar um golo através da mão de Maradona. Nunca mais comi amoras directamente de uma amoreira, nunca mais vi Marx e Cristo na mesma sala.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O quanto gosto de por entre uma dança e outra, enquanto danço ao som do meu copo, ir soltando frases insinuantes. Assim, bem perto do ouvido, para que não haja outra interpretação, para que não se misture com a música que vibra nas colunas, para que não possas confundir nenhuma palavra das que vou pronunciando em jeito de confissão obscura junto da tua orelha. Hoje, de tão perto, consegui decifrar todos os elementos do teu perfume que parece perpetuar-se na pele do teu pescoço e da tua orelha.
Aproximo-me do bar na esperança de que te deixes ficar ali, de que peças também uma bebida e me acompanhes. Enquanto peço mais gelo, penso no que estarás a pensar. Cresce em mim uma vontade de poder provar uma bebida pela tua boca ou o resto do que nela ficar. Começo já a pensar no sabor fresco das bebidas com gelo a misturar-se com o quente do álcool… Começo a pensar que me sinto como uma bebida e que quero que esgotes uma garrafa comigo.
Quando me volto já não estás. Mas afinal, não fui suficientemente clara?
Largo o copo.
Voo pela pista.
Apanho-te à porta.
Estás nervoso, sinto-o! Sinto-me a fera a encurralar a presa.
Dissimulo a minha ansiedade com o cigarro que encosto à boca. Bendito cigarro!
Peço-te lume. E, sabendo que nunca fumas, diverte-me perguntar se me dás lume. Diverte-me fazê-lo nesse tom que tu sabes, como quem pede fogo, como quem espera que incendeies tudo.
Apesar da tua insistência em te afastares, meto-me contigo no táxi numa espécie de “agora ou nunca”. E só eu sei o que me custa toda esta exposição, toda esta vontade óbvia estampada no olhar e na minha acção.
O táxi arranca e olho pela janela enquanto toda a paisagem corre lá fora, consigo ver-te, do outro lado do banco, reflectido no vidro.
Olho-te nos olhos e penso no que farei daqui a cinco minutos… se saio e te deixo dinheiro para a tua viagem ou se espero que pagues ao motorista e fiques apeado à minha porta.
O coração vai saltar-me pela boca, caramba!
tempo
tic toc
o teu olhar impreciso
e eu nervoso
inclinas-te e partilhas um segredo ao ouvido
sentir os teus lábios encostados à minha orelha a segredar
o timbre a vibrar dentro de mim
não respondo surpreso
miro-te e tu retornada ao teu canto sorris e pedes mais gelo para o teu irlandês de malte
hesito
divertes-te a ver-me nesta indecisão
porra, porque não fumo? agora ficava bem sacar de um cigarro
o copo vazio
e eu sem nada que fazer com os dedos e tu sempre à espera de resposta
viro-me para trás, finjo conhecer alguém e saio na esperança que não me sigas.
não porque não te queira, mas porque não sei o que te dizer.
cá fora respiro ofegante
como se tivesse corrido a maratona
telemóvel
sistema android
app
táxi
vou para casa
"tens lumes?"
és tu outra vez
eu não fumo e perguntas-me isso?
122
chegou o carro

"posso ir contigo? deixas-me em casa."
tenho 10 euros e não chega para mais do que uma viagem
"gastei quase tudo lá dentro, não sei se tenho que chegue"
abres a porta e sentas-te no banco de trás
dizes ao condutor a tua morada
a porta ainda aberta
"não vens?"